segunda-feira, 2 de julho de 2018

Breve panorama da cidade de Salvador e sua importância ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII:

A cidade de Salvador, atualmente uma das principais capitais da região Nordeste do Brasil e do país, já “nasceu” importante. Sua relevância deu-se, sobretudo, por três grandes razões, a saber: o fato de constituir-se enquanto uma rota inevitável de navegação para quem realizava a travessia por meio do Oceano Atlântico, o que forjou a necessidade de criação da mesma, (Salvador) a qual foi fundada na data de 29 de março de 1549 por Tomé de Souza; a instalação do governo colonial na referida cidade e a consequente implementação dos aparatos jurídico, político e administrativo da Colônia Portuguesa na América (Brasil); o crescimento grandioso da referida cidade, ao longo dos anos, tanto em números populacionais, quanto em importância, propriamente dita, em virtude das razões já mencionadas.
Em suma, Salvador significava a época, local de referência, exigindo assim, crescimento por parte do seu entorno. Em outras palavras, a medida que crescia, impulsionava também, o desenvolvimento de áreas e regiões que figuravam ao seu redor.

Antecedentes históricos do bairro do Cabula

O Cabula faz parte da chamada Região Administrativa XI, denominada também de Cabula, sendo esta, parte integrante das dezoito Regiões Administrativas de Salvador. Assim, a referida Região, da qual o Cabula VI não faz parte, apesar do nome, tem como parte integrante de si, além do próprio bairro do Cabula, os bairros do Resgate, de São Gonçalo, Doron, Saboeiro, Engomadeira, Pernambués, Narandiba e Saramandaia.

Origem e significado do nome Cabula

A palavra Cabula é de origem africana, mais especificamente, de origem quincongo (Kabula) e a mesma, que hoje nomeia o referido bairro de Salvador, apresenta três classificações em termos gramaticais: nome próprio, personativo feminino e verbo. Além disso, a palavra apresenta em sua etimologia o seguinte significado: ritmo de característica religiosa, bastante dançado, tocado e cantado.
A escolha do nome Cabula para “batizar” o local deu-se, portanto, em virtude do mesmo ter sido um lugar onde o ritmo Kabula fazia-se bastante presente na área em questão, uma vez que a mesma era muito habitada, porém não só, por indivíduos escravizados, de origem africana, que buscavam refúgio na região de mata densa.


Os primeiros habitantes do Cabula – Quilombo, escravidão, sobrevivência e resistência

No que diz respeito à povoação, é possível afirmar que, uns dos primeiros habitantes da região do Cabula foram populações de origem indígena e indivíduos escravizados de origem africana, os quais buscavam no mencionado lugar, refúgio em face ao regime escravocrata e que criaram ali uma grande e significativa região quilombola. Sabe-se que a região do Cabula foi, historicamente, um local de resistência de populações interessadas em desenvolver um modo de vida alternativo em relação ao ofertado pelo processo de colonização. Assim, é lícito afirmar que, os indivíduos que ali se refugiaram, conseguiram criar um estilo não só alternativo como também, singular de existência e de sobrevivência. Os indivíduos que ali reuniram – se, conseguiram organizar um agrupamento social sob aspectos vários, como a dimensão econômica e a dimensão religiosa, por exemplo. Além dos dois primeiros grupos citados, é lícito afirmar também a presença de homens brancos, proprietários de escravizados na origem do bairro em questão.

Em virtude do fato de que o Cabula constituía-se enquanto uma região de mata densa com solo fértil, bastante propício para o desenvolvimento da agricultura, as populações quilombolas que ali habitavam conseguiram encontrar modos de subsistência, sobretudo por meio da plantação de laranjais. Do ponto de vista da dimensão religiosa, é lícito afirmar que estas populações realizavam cultos religiosos vinculados às tradições de origem africana, a elaboração de medicamentos produzidos a partir de ervas naturais e os chamados serviços de cura, fato que atraía pessoas de outras regiões da cidade de Salvador, além dos próprios habitantes da referida região.

O quilombo do Cabula ganhou tanta notoriedade com o passar dos anos que despertou a atenção do poder público, uma vez que passou a significar uma ameaça, pois, seu exemplo poderia ser passível de inspiração para outros grupos no que tange à sua força de resistência, de subsistência e a sua capacidade de organização social. Assim, ao longo do século XIX, o quilombo do Cabula foi alvo de ataques por parte do poder público, o qual, por ordem do então Governador Geral do período, intitulado 6º Conde da Ponte, cujo nome de Batismo era D. João de Saldanha da Gama Mello e Torres Guedes de Brito, cuja vigência de governo estabeleceu-se entre 1805 – 1809, ordenou a desarticulação do mesmo, que ocorreu no ano de 1807.
Ainda sobre a questão da religiosidade no que tange o quilombo do Cabula, é imperioso destacar a presença da figura feminina, parda, com limitações de mobilidade física, denominada de Nicácia da França. Nicácia da França era uma mulher considerada pelo poder público enquanto uma das lideranças da referida localidade e sua notoriedade dava-se, sobretudo, pelos poderes a ela atribuídos do ponto de vista espiritual. Muitas pessoas, a procuravam, para além dos domínios do Cabula, para que a mesma realizasse adivinhações sobre assuntos de seus interesses. No contexto da desarticulação do quilombo do Cabula, Nicácia da França foi encarcerada a mando do 6º Conde da Ponte e sua prisão foi acompanhada por muitos daqueles que a conheciam e para os quais ela disponibilizou seus préstimos espirituais, tamanha sua importância e popularidade para o referido contexto.

Diante do exposto, é licito afirmar que, apesar da ação das tropas do então Governador Geral, 6º Conde da Ponte, e da consequente desarticulação, ainda que momentaneamente, do quilombo do Cabula e da prisão de vários habitantes da localidade em questão, entre elas Nicácia da França, o Cabula não deixou de constitui-se enquanto um exemplo e uma inspiração para aqueles dispostos à resistência no que tange à colonização. Seu caráter de luta propagou-se ao longo ao longo da História e está presente, de certo, até os dias atuais. 

Assim, o bairro do Cabula desenvolveu-se tendo como uma das suas principais características o fato de ter tornado-se uma região eminentemente quilombola, na qual os indivíduos que ali estiveram, em sua gênese, pleiteavam um estilo de vida alternativo em relação ao oferecido pelo sistema colonial. Em outras palavras, a origem do povoamento do Cabula significou não apenas um movimento de ocupação de uma dada localidade, mas, um movimento de resistência e de sobrevivência, o que evidencia sua característica de luta, oriunda da ancestralidade de suas populações pioneiras.

Das chácaras e fazendas à modernização do Cabula

A localidade do Cabula caracterizou-se historicamente por ser uma área de mata na qual houve o desenvolvimento de uma importante produção agrícola na qual destacou - se a produção de laranjas. O território no qual hoje está estabelecido o bairro em questão foi, durante o século XVI, doado por Thomé de Sousa a D. Antonio de Ataíde, mais conhecido como Conde de Castanheira, porém, tempos depois, a área, situada na região periférica (para além da região urbanizada de Salvador), passou por um processo de arrendamento por parte de Natal Cascão.

No decorrer do tempo, os laranjais sofreram um ataque de pragas que destruíram grande parte dos mesmos, o que resultou na consequente venda das fazendas que as produziam e assim, estas foram demarcadas em partes menores. Em relação ao atual aspecto do bairro do Cabula, é possível afirmar que o mesmo começou a delinear - se nos idos dos anos setenta, momento histórico no qual o Brasil encontrava-se em pelo Regime Militar (1964 – 1985). Neste período, houve a construção dos primeiros condomínios habitacionais, uma das características mais marcantes da região, a qual concentra um número significativo deste tipo de moradia.


   
Imagem do Conjunto Recanto do Cabula
Fonte da Imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cabula_(Salvador)





Imagem da Rua Silveira Martins
Fonte da imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cabula_(Salvador)


Atualmente, o bairro do Cabula, no que diz respeito ao seu processo de modernização, conta com a ampliação do caráter habitacional que apresenta- se como um dos principais aspectos do referido local, a partir da década de setenta do século XX, quando os primeiros conjuntos habitacionais foram inaugurados. Além da forte presença dos conjuntos habitacionais, há no Cabula a presença de várias escolas tanto particulares, como o Centro Educacional Vitória Régia, o Colégio Resgate e o Colégio São Lázaro, como públicas, a exemplo do Colégio Polivalente do Cabula e o Colégio Estadual Governador Roberto Santos. Ainda no que concerne às instituições de ensino, entre as de nível superior, é imperioso destacar a presença da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, localizada nas imediações do Hospital Geral Roberto Santos.

Além de caracterizar-se como um bairro cuja uma das marcas é a questão habitacional e das instituições de ensino de níveis diversos, entre eles as de nível superior, destaca-se no Cabula a presença de alguns centros de compras, entre os quais figuram o Shopping Master, Shopping Plaza e o Shopping Bela Vista Salvador. No que concerne à presença de outras instituições e empreendimentos, é possível citar a presença de agências bancárias, grandes redes de farmácias e redes de supermercados. Em relação à dimensão econômica do bairro do Cabula, é lícito afirmar sua forte tendência comercial, pois, nas imediações do bairro em questão, faz-se presente a chamada Estrada das Barreiras, a qual constitui - se enquanto um dos maiores centros comerciais e de prestação de serviços da capital baiana. 

Principais pontos de referência do bairro do Cabula:

Universidade do Estado da Bahia – UNEB


Fonte da imagem: https://www.google.com.br/search?q=uneb++cabula+imagens&hl=pt BR&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=m8SYaj34I2McNM%253A%252CyS6VqhkSI7JnJM%252C_&usg=__uEiZqqRvFtub1q4_MkQK_qmpKcU%3D&sa=X&ved=0ahUKEwj3m8nK3PzbAhVFlZAKHUnxAK8Q9QEILTAC#imgrc=iFWm5X5dr4L-bM:



A Universidade do Estado da Bahia (UNEB), inaugurada no ano de 1983, é considerada a maior instituição pública de ensino superior e está presente em diversos municípios do estado da Bahia, estruturada, portanto, no sistema denominado multicampi. A UNEB é um dos locais mais importantes do bairro do Cabula e, além dos cursos de cursos de graduação e pós – graduação oferta também, cursos para pessoas da “terceira idade” por meio da Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI).


Quartel 19º Batalhão de Caçadores – Batalhão de Pirajá (19 BC)




Sobre pontos os quais constituem - se enquanto referências no bairro do Cabula, tanto para os que nele moram, quanto para os que o visitam, é importante afirmar a presença do Quartel do 19º Batalhão de Caçadores – Batalhão de Pirajá, popularmente conhecido na localidade como 19 BC. A respeito de sua História, é lícito afirmar que o 19º Batalhão de Caçadores – Batalhão Pirajá, foi fundado na década de 20 do século passado, mais precisamente no dia 16 de janeiro de 1920. Este batalhão contempla em sua origem a existência de dois ramos, sendo um formado em sua totalidade por militares baianos e o outro por militares de origem paulista. Em relação à sua importância para o Cabula é válido ressaltar que, o 19º Batalhão de Caçadores contribuiu para a expansão do bairro, pois, ativou a ligação do mesmo (Cabula) com outras regiões da cidade de Salvador.


Hospital Geral Roberto Santos:




O Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), situado no Cabula, foi inaugurado no ano de 1979, no dia 5 de março e figura entre um dos mais importantes hospitais públicos da cidade de Salvador e do estado da Bahia. Em relação aos principais serviços realizados pelo referido hospital, é importante explicitar que o mesmo encontra-se preparado para o acolhimento de pessoas que apresentam doenças decorrentes da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) e para o atendimento de vítimas do chamado Acidente Vascular Cerebral (AVC).



Terreiro de Candomblé – Ilê Axé Opó Afonjá:

Fonte da Imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Il%C3%AA_Ax%C3%A9_Op%C3%B3_Afonj%C3%A1


Ilê Axé Opó Afonjá, localizado no bairro de São Gonçalo, o qual integra a região do Cabula, é considerado Patrimônio Histórico Nacional e foi fundado em 1910 pela ialorixá Obá Biyi, cujo nome era Eugênia Ana dos Santos. “Mãe Aninha”, como era popularmente conhecida, nasceu de pais africanos, porém, era natural de Salvador e veio ao mundo no ano de 1869. É válido ressaltar ainda, que a ialorixá, que também era chamada de “Mãe Aninha”, não teve papel relevante apenas no que tange às questões de ordem religiosa, mas teve também importância relevante em relação às questões de ordem legal e política. Em relação ao referido fato, é imperioso explicitar sua influência na promulgação do Decreto Presidencial nº 1202, que instituiu no Brasil, na época do primeiro governo do ex - presidente Getúlio Vargas, em 1934, o fim em relação à proibição aos cultos afro - brasileiros.

História do Conjunto Antonio Carlos Magalhães (A.C.M): Primeiro conjunto habitacional do bairro do Cabula.

Conj. ACM - R. Cap. Aloísio Silva - Barreiras, Salvador - BA, 40301-110

Fonte da imagem: Googlehttps://www.google.com.br/maps/vt/data=NqVE8M5RUkS21AYvaUIEMm2eV2vpsCO8pu4K5P6fewAkZxXkCHqcUNI8OZLk3I9WmQoZ3qp1t3i57BAf3VXW5gnhFMI9j8zjTfG0Vi3mgiq1gpRP1N9UdCN0Y3Q9wd_LoaQhvvacYloeaf59YlteHf7oDw9eMYvBNc1HcAdVwAgw6QFWaiCSfoNOZCLDGpOqMEgh4n24KgPz_v663E8cgTR0K6nac_Dkf-rseaHgBw. Acesso em: 30/06/2018.


O Conjunto Antonio Carlos Magalhães, popularmente conhecido como Conjunto A.C.M ou “Conjunto dos Bombeiros”, foi inaugurado no dia quatro de setembro de 1974, em pleno auge da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). A inauguração do Conjunto A.C.M ocorreu na gestão do então prefeito de Salvador, Clériston Andrade, que governou entre os anos de 1970 – 1975, apoiado pelo então governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães o qual esteve a frente do governo do estado entre 1971 - 1975.

A respeito da sua localização geográfica, o Conjunto A.C.M  está situado a cerca de 5 km do centro urbano da cidade de Salvador e encontra-se na denominada Estrada das Barreiras. A Estrada das Barreiras está localizada no “miolo” de Salvador e sua expansão deu-se a partir da década de setenta do século passado, período no qual as chácaras, até então presentes em larga escala na localidade em questão, foram, aos poucos, cedendo espaço para a construção de conjuntos habitacionais os quais hoje, são umas das características mais marcantes do Cabula.

O conjunto A.C.M, formado por casas e prédios, foi estruturado inicialmente para a moradia de militares oficiais do Corpo de Bombeiros e suas respectivas famílias, os quais constituíram - se enquanto os primeiros moradores do local; origina-se daí a denominação de “conjunto dos bombeiros” pelo qual o mesmo é conhecido pelos habitantes mais antigos do lugar em questão. Presentes no Conjunto A.C.M, estão alguns pontos de referência muito importantes como a Escola Municipal Cabula I, A Igreja Católica Natal do Senhor, alguns terreiros de candomblé e o Horto Florestal do Cabula, o qual estende-se da localidade em questão, passando pela Estrada das Barreiras e Mata Escura, por exemplo.


Algumas imagens do Conjunto Antonio Carlos Magalhães (A.C.M)


Imagem da Igreja Natal do Senhor



Imagem da Escola Municipal Cabula - I

Fonte da imagem: https://www.google.com.br/search?q=Escola+Municipal+Cabula+I++foto+imagem&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwij_cfKyfzbAhVBf5AKHZaiDDsQ7AkIMg&biw=1242&bih=602


Entrevista com Antonio Jorge Nascimento, morador do Conjunto Antonio Carlos Magalhães



Imagem de Antonio Jorge Nascimento “Toinho”
Fonte: https://www.google.com.br/search?q=Antonio+Jorge+Nascimento+foto&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwj0roiMwf_bAhUBi5AKHaT8BswQ7AkIMg&biw=1242&bih=602

Apresentando o entrevistado:
Antonio Jorge Nascimento, filho de Dona Olga, é um dos moradores mais antigos do Conjunto Antonio Carlos Magalhães ou Conjunto A.C.M ou ainda, simplesmente, A.CM, como muitos preferem referir-se à localidade. Antonio Jorge, ou melhor, Toinho, como é carinhosamente chamado pela vizinhança, é um cidadão engajado e comprometido com as questões do lugar onde mora, desde que o referido local foi inaugurado em 1974. Pedagogo de formação, ex- presidente do Conselho de Moradores do conjunto ACM, criador do “Projeto Cidadão”, que promove o ensino da dança de salão para crianças da comunidade por meio de parceria estabelecida com a Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI), a qual faz parte da UNEB, instituição da qual Toinho é funcionário há mais de trinta anos.
Por meio deste projeto de cunho acadêmico, tive a oportunidade de entrevistar Toinho e aprender mais sobre a história do Conjunto ACM; esta história que agora compartilho com vocês.
 Aproveito a oportunidade, desde já, para tecer meus agradecimentos, pois, através do relato de suas memórias, que expôs, demonstrando grande disponibilidade, atenção e conhecimento sobre a História do lugar onde vive até hoje, pude também, conhecer um pouco mais sobre o lugar no qual habito desde os nove meses de idade até os dias atuais. Muito obrigada, Toinho!!!
Importante ressaltar que Toinho não é tão somente um dos moradores mais ilustres do Conjunto A.C.M, mas, um verdadeiro patrimônio deste lugar.
Gratidão!!!!

A entrevista:
*                    A entrevista aqui compartilhada foi realizada por meio da metodologia de pesquisa denominada “Entrevista semi – estruturada” na qual o entrevistador e o entrevistado propõem-se à realização de uma espécie de conversa, a partir de pontos previamente selecionados, os quais devem subsidiar o diálogo estabelecido entre ambos.


Onde tudo começou: A inauguração do Conjunto A.C.M e as dificuldades enfrentadas pelos primeiros moradores

Bem, eu queria que você me dissesse quando você veio morar aqui, se você nasceu aqui, quais são suas lembranças, o que você sabe sobre a fundação deste lugar, como ele surgiu, como foi que se deu... Você vai me dizer o que você lembra, o que você sabe...
Bom, eu não nasci aqui, eu vim do bairro de Santa Mônica. Quando eu vim pra cá, não tinha muitos moradores aqui ainda, o conjunto era recém inaugurado, na década de setenta, exclusivamente para bombeiros, meu pai era bombeiro, então nós viemos para cá. Então, a lembrança que eu tenho daqui, era como se fosse um interior, aqui era um interior. 
Uma das coisas que eu sempre falava, que eu criticava, para muita gente que ficava botando ACM, Antonio Carlos Magalhães, “nas alturas”, é que eu dizia o seguinte: “Se ele gostasse tanto dos bombeiros, como ele dizia que gostava, ele tinha colocado o Conjunto A.C.M, lá na frente...”.
Lá na frente, onde?
Lá na frente, mais para a entrada do Cabula, porque tudo isso era mato.
Mas, seria onde mais ou menos?
Quando você sobe a ladeira do Cabula, até você chegar aqui, é um pedaço muito grande, então, você imagine isso na década de setenta, não tinha nada, era estrada de barro; se chovesse, era lama, quando fazia sol, era muita poeira e não tinha transporte muito fácil. Então, muitas vezes, para ir ao centro da cidade, você tinha de “paletar” até o Retiro para poder pegar o ônibus para ir para algum lugar e, na volta, fazia a mesma coisa, soltava lá embaixo, subia e vinha.
A ladeira do Cabula não era essa ladeira que é hoje; ela era aquela onde tem o Conjunto Cristiano Buys... Quando você vai descer a ladeira do Cabula, ali, tem o viaduto, tem a parte que vai para o Bela Vista...Você já viu uma descidinha, que tem do lado direito, onde tem uns conjuntos?
Perto do Colégio Antonio Euzébio?
Isso, descendo ali! Ali era a ladeira do Cabula (velha).
Essa nova então, não existia...
Não existia!
Aí vocês vinham do Retiro subindo a pé, para poder chegar aqui...
A gente já tinha aqui o 19º BC, que era o quartel que já funcionava ali... Nós tínhamos o Conjunto COHABITA, que é aquele próximo da Oi (empresa de telefonia) [...]. Tinha a comunidade da Engomadeira, a comunidade do Arraial do Retiro, a comunidade das Barreiras, que sempre foi mais velha do que o Conjunto ACM, mas era assim, era muito difícil... Por exemplo, onde você vê hoje, o hotel, na esquina tinha o mercadinho de “Seu” Santos...
Entrando ali no Arraial?
 Sim! Mas era bem na esquina, mercadinho de “Seu” Santos, onde é hoje o hotel. Então, ele ficava ali na esquina e servia a quem era dessa área de cá (Conjunto ACM), servia a quem era da Engomadeira e servia a quem era do Arraial do Retiro. Era uma quitanda, que a gente comprava ali... Então, repare, para essa dimensão, você saía daqui pra comprar ali no mercadinho... Não era um mercado grande não, era uma “biboca”, mas, que tinha tudo. As coisas básicas havia ali; tinha ali: pão, que você ia comprar lá [...].  Depois as pessoas começaram a trazer pão de bicicleta, pra facilitar um pouco mais...
.As pessoas também começaram, a abrir uma janela em casa e botar algumas coisinhas para vender, até chegar, realmente, alguns armazéns pequenos pra que a gente pudesse comprar, mas, como era um ambiente de interior, tinha uma coisa muito positiva, por exemplo, você comprava frutas com facilidade, principalmente manga, jaca, laranja... Tinha “laranja do cabula”, que era uma laranja que só tinha aqui no Cabula...

Ancestralidade e antecedentes históricos do Cabula: produção de laranjas, quilombos e terreiros de candomblé

Aqui era, historicamente, um lugar onde se produzia muita “laranja de umbigo”...
Principalmente! O símbolo da bandeira do Conjunto ACM tem uma laranja no meio...

Fazendo alusão a esse passado...
Exato! Tinha ali na esquina, onde fizeram o Shopping Bela Vista, ali quando o ônibus desce, bem próximo dele, antes de descer a ladeira do Cabula, não tem um prédio, assim, próximo ao Bela Vista?
Sim! Tem uns prédios mais modestos e do lado de cá...
Isso! Aquele que está mais próximo da ladeira, ali naquele centro, tinha a casa da “Rainha da Laranja”... Era a maior produtora de laranja que exportava laranja... Então, naquela época, era uma coisa assim, muito chique, pois, se tinha aquela figura que representava todo o laranjal do Cabula...Lá morava a “Rainha da Laranja”...
Era uma mulher que era produtora de laranja e era intitulada assim... Na década de setenta, mais ou menos?
Era sim! Ela já deveria estar atuando bem antes, porque na década de setenta, foi quando o conjunto foi inaugurado, mas, para você ter uma ideia de que isso aqui é tão antigo... Para você ter uma ideia, eu trouxe esse livro que eu estou lendo ainda, este livro aqui... (“Rebeliões Escravas na Bahia”, do historiador João José Reis). E eu trouxe aqui umas coisas para você ver só a questão do tempo, quando você falava em Cabula... Porque aqui, além de ter tido quilombo, teve também, muitos terreiros de candomblé, e muitos terreiros de candomblé se transformavam também em quilombos porque eles abrigavam pessoas... E tem também outra figura aqui no livro, que ele cita, certo? [...]. Que eu achei muito interessante, que era uma sacerdotisa...
Era Nicácia da França?
Nicácia... Ele cita ela aqui... Então, você percebe que o Cabula, foi, talvez, o “coração” da cidade de Salvador, num certo sentido, não só na questão mesmo da laranja, principalmente da laranja, porque tinham outras frutas... A laranja era a “coisa” principal, mas, também, na questão dos terreiros, na questão dos quilombos... A gente tem aí, por exemplo, o Beiru... O nome Beiru, que foi de um escravo que comandava um quilombo nessa área, certo? Então, é uma coisa muito histórica [...].  São importantes, eu acho, esses trabalhos (refere -se à entrevista que realizava) porque fazem as pessoas conhecerem a sua história, porque, as vezes, as pessoas moram em um lugar e não conhecem nada.
A criação da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e sua influência para o desenvolvimento do Cabula: O “olhar” de quem viu a universidade “nascer”


Quando a universidade veio para cá, ela não veio logo como universidade; a UNEB veio como Superintendência de Ensino Superior do Estado da Bahia. Tinha a Fundação CETEBA, Centro de Tecnologia da Bahia, que funcionava em Ondina, aí transferiu - se para cá, para o Cabula, e já veio para cá com o nome de SESEB, Superintendência de Ensino Superior do Estado da Bahia e, depois, transformou-se em universidade. Agora a universidade está completando trinta e cinco anos, mas ela é muito mais antiga como instituição de ensino superior, que já existia antes de ser UNEB, assim como eu também [...] Eu entrei lá em oitenta e dois...
Então, você começou a trabalhar na UNEB um ano antes... Tem muito tempo, muita História...
Exatamente! Quando a universidade “veio”, já tinha o 19º BC que, como é um Quartel do Exército, tinha também as residências oficiais, mas que já estava aí há muito tempo, então não era um atrativo, mas, quando a universidade chega, foram chegando outras “coisas”... Então as pessoas pensaram: “Se surgiu aí uma instituição de ensino superior, vão surgir outras coisas...” Então surgiram os primeiros supermercados, os mercados grandes foram chegando, as escolas particulares foram chegando... Já havia as públicas... Então o Cabula foi ficando com essa dimensão e hoje o metro quadrado no cabula é alto demais, muito caro, porque temos o privilégio de estarmos no alto, um dos pontos mais altos é aqui... Por exemplo, da laje da casa de minha mãe, você vê o mar, então o Cabula é alto. Além disso, tem a História e poucas pessoas conhecem a História do bairro.
Sobre a importância do conhecimento da História do bairro onde se vive sob a ótica de um educador social

Eu tenho me dedicado a isso (sobre a importância do conhecimento da história do bairro pelos moradores), quando eu passo filmes [...] Até que não sejam filmes ligados diretamente ao Cabula, mas, quando é filme que tem determinada história, a gente consegue fazer um link com a história do Cabula, com a história desse povo, porque, por exemplo, os terreiros de candomblés, aqui, tiveram uma função muito importante, porque [...] Os escravos se uniam para lutar contra a escravidão, os maus tratos...
Eu acho que, quando um professor desses, como o professor Alfredo, diz: conheça seu bairro, ele está dando uma dica... Conheça seu bairro, conheça sua cidade, conheça seu estado, conheça seu país, conheça sua História...
Conheça a sua História, porque a História do lugar é, também, a sua História...
Exato! Vamos falar agora, do ponto de vista cultural do Cabula.

A questão cultural no Conjunto ACM: das quadrilhas juninas à Rainha do Ilê Aiyê, passando pelas bandas de Axé Music

Aqui no Cabula, nós tínhamos bandas que surgiram aqui na praça. A “Banda Reflexus”, surgiu na praça do Conjunto ACM... O pessoal ficava aí na praça, tocando violão, cantando e, de repente, formaram uma banda, e aí, estourou nacionalmente e até internacionalmente [...]. Eles eram uma banda completa...
Depois surgiu a “Fases da Lua”, que conseguiu sucesso, um pouco, mas que não conseguiu emplacar...
[...] Tivemos as quadrilhas juninas, a “Cabula I”, a “Chameguinho do Cabula”, a “Denguinho do Cabula”... [...] A “Cabula I” revolucionou a quadrilha junina na Bahia, revolucionou... Eu lembro que, quando a “Cabula I” foi disputar uma competição, ela ganhou todos os prêmios de concurso naquele ano, todos, ela ganhou todos, porque ela chegou com uma coisa nova: enquanto as pessoas faziam filas de dois, tipo quadrilha tradicional, ela entrou com quatro fileiras, fazendo como se fossem duas quadrilhas em uma e encantava todos os lugares onde ia aqui em Salvador, no interior...Foi uma revolução e aí, no outro ano, as outras começaram a ter que criar, elas tiveram que fazer isso, porque, ou elas faziam ou ficavam para trás...
[...] Eu falo o seguinte, Dani: eu sou um educador social...
E você é Pedagogo também...
Eu sou Pedagogo, mas, antes de ser Pedagogo, eu sou um educador social.
E tem também o Projeto Cidadão, não é? Que você criou...
Exato! A gente tinha várias coisas, percussão, futebol de campo, futebol de salão, basquete, vôlei, alguns tipos de dança, grafite...
Com Denis que era um parceiro (Denis Sena - artista plástico oriundo do Conjunto ACM)...
Isso, com Denis! Então, o que é que acontece, quando você cria algo assim? O próprio poder público tinha que estar apoiando, porque, na realidade, a gente está fazendo uma coisa que eles deveriam estar fazendo e a gente faz porque é da comunidade, então, a gente não quer ver a comunidade “lá embaixo”, então faz, mas, é precário porque você não tem material... Se você quiser levar os meninos para determinado lugar ou você tem que pagar para ir [...] Por que, vai tirar de quem, dos meninos que não têm?
 [...] Minha filha já nasceu aqui, ela nasceu no Hospital Roberto Santos, ela tem dezanove anos agora... Ela foi para o Ilê pela primeira vez e, conseguiu, graças a Deus, e conseguiu mostrar todo um gingado, uma simpatia e uma competência para dançar, porque ela [...] é oriunda do “Projeto Cidadão” com a dança...
Então ela é um fruto do Projeto Cidadão, para além de ser sua filha...
Exatamente! A gente tem outros meninos também que hoje fazem várias coisas e que são oriundos da dança de salão...
E esse ano ela (Jéssica Almeida Nascimento) foi eleita a Rainha do Ilê, no carnaval, Deusa do Ébano...
Exatamente! A Deusa do Ébano [...].

A importância do conhecimento da própria
 História por meio da História do bairro de origem  – Reflexões finais

[...] Eu acho que o nosso bairro é um bairro excepcional, tranquilo... Eu acho que as histórias que tem nos bairros, de cada localidade dessa [...] A própria população tomando consciência disso, ela melhora em vários aspectos, eu acho que ela modifica seu pensamento a partir de sua História [...].

Antonio Jorge Nascimento (Toinho)


Pedagogo e Educador Social 

Referências:


Bibliografia consultada:

FISCHER, Tânia; MORAES, Luiz Roberto Santos. PINHO, Jose Antonio Gomes de; SANTOS, Elisabete, organizadores. “O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes”. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010. Coleção Gestão Social.

MARTINS. Luciana Conceição de Almeida. História Pública do quilombo do Cabula: representações de resistências em museu virtual 3D aplicada à mobilização do turismo de base comunitária. 311f. il. 2017. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

Sites:
http://www.saude.ba.gov.br/hospital/hgrs/ Acesso em: 26/06/18
https://www.geledes.org.br/mae-aninha-ialorixa-do-ile-axe-opoafonja/? gclid=EAIaIQobChMI4Zfe3rrw2wIVEwiRCh356AfDEAAYASAAEgIIgvD_BwE Acesso em: 26/06/18
http://www.uneb.br/institucional/a-universidade/. Acesso em: 30/06/2018